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Se afeta a ti, tem espaço: a Psicoterapia e a travessia de reconhecer-se

Betina Pereira Stülp

Psicóloga do NOVO STIFA

 

No dia 27 de agosto de 1962, a Lei 4.119 reconheceu a profissão de psicólogo no Brasil. Em seu início, enfrentando como obstáculo a ditadura militar, sua prática era mais neutra e visava à normatização dos indivíduos. Além disso, a atuação dos psicólogos esteve implicada no movimento da luta antimanicomial, que garantia os direitos e proteção aos portadores de transtornos psíquicos.

Ao longo do tempo, essa história influenciou a percepção do papel do psicólogo, associando-o ao manejo e tratamento de transtornos mentais, bem como à normatização comportamental. No entanto, cabe questionar se a psicoterapia se limita apenas ao tratamento de transtornos psíquicos. Todo sofrimento é necessariamente patológico? E se não for, como deveríamos considerá-lo?

Vivemos em uma era onde nomear nossas angústias, tristezas e ansiedades proporciona alívio, pois traz à luz o que antes permanecia no campo do desconhecido. Não se trata de uma crítica aos diagnósticos, pois eles são fundamentais para o tratamento adequado. Contudo, nossas dores nem sempre se encaixam em critérios diagnósticos. Nossa angústia nem sempre encontra um objeto que a justifique. E quando isso ocorre, como nos sentimos? O que fazemos com essas dores? Ignoramos? Seguimos em frente?

Desde cedo, somos ensinados a cuidar de nós mesmos sob a condição de estarmos doentes. Um exemplo comum é quando, na infância, não queremos ir à escola e somos obrigados a ir com a justificativa de “…você não está doente, precisa ir…”. Talvez não fisicamente, mas e além disso? Quais incômodos poderiam estar ocultos? Quantas questões deixaram de ser ouvidas ou ditas ao afirmar que a ausência à escola só é válida por doença? Esta não é uma apologia às faltas, mas uma defesa de um espaço de escuta e acolhimento.

Nossas dores precisam necessariamente de um diagnóstico para serem reconhecidas? Defendo que a psicoterapia também pode ser espaço para reconhecer quem se é, e esse processo se dá através da escuta de si. A psicoterapia é um espaço para ser escutado, mas, acima de tudo, para se escutar. Neste espaço, é possível acolhermos e validarmos o que é unicamente nosso.

Nele podemos criar hipóteses para dar significado às nossas angústias, avaliar e reavaliar nossos limites, processar nossos sentimentos em diferentes situações. Um ambiente possível para desconstruir significados e criar novos, trabalhar crenças limitantes e abrir novos espaços para ser. É uma oportunidade de refletir sobre o que faz sentido para nós e avaliar o que já não faz. Um espaço para questionar, refletir, encontrar respostas ou simplesmente se perguntar por que as coisas são como são.

Na psicoterapia, não existe uma cobrança por produtividade, pelo certo ou errado. É você com você, no seu tempo, sem comparação, olhando para sua história, para seus desejos. Sua travessia é única; você é único. Portanto, diferente de sua história inicial, a meta não é sermos iguais, mas encontrar valor na nossa singularidade. Sim, fazer psicoterapia pode trazer como consequência nos relacionarmos melhor com quem a gente pode ser, e isso também é saúde.